CRÍTICA DE CINEMA
‘Medianeras, Buenos Aires da Era do Amor Virtual’, de Gustavo Taretto
Uma feliz reflexão sobre a vida em uma megalópole. Por Francisco Taunay
Mais um filme argentino com a categoria habitual. Agora o cinema fica a serviço da reflexão sobre a solidão e o individualismo nas grandes cidades.
Medianeras mostra a vida de duas pessoas, um homem e uma mulher que vivem nos dias de hoje, quando a internet e a globalização, ao mesmo tempo em que rompem fronteiras e possibilitam um maior acesso à informação, podem aprisionar as pessoas com suas atrações imediatas como jogos, vídeos e redes sociais.
O filme é um diagnóstico de como nossas vidas foram transformadas pelo computador, e de como vivemos um estranho tipo de socialização mediada pela máquina. Ele mostra também a forma como a arquitetura influencia a maneira como as pessoas vivem, do comportamento às relações sociais.
A primeira parte de Medianeras – em que cenas de Buenos Aires são intercaladas com reflexões, em off, sobre a evolução da cidade — é simplesmente genial. A forma não-planejada como a cidade cresce é comparada à vida de cada personagem, repleta de muitos acontecimentos fortuitos. Os apartamentos e prédios da cidade são mostrados em uma espécie de análise sociológica.
Aparecem então alguns elementos estranhos em meio ao mar de prédios, como algumas plantas, que crescem junto ao concreto e que brotaram no ambiente árido contra todas as expectativas. Essas plantinhas são como ilhas em meio ao mar de prédios, e servem para que o diretor introduza a questão da originalidade no filme.
Cidade metáfora
Como encontrar beleza no meio da massa complexa que é a cidade? A estética de Buenos Aires é uma metáfora dos ideais e das vontades humanas que se realizam em parte; e são subjugados por novas vontades e ideais que destroem os antigos, e assim sucessivamente. Quando percebemos alguma área desorganizada e feia de uma cidade, uma espécie de não-lugar, podemos perceber que aquilo ficou de fora de qualquer ideia de construção do espaço público, mas que também pode ser fruto de uma acumulação de projetos que foram se destruindo uns aos outros.
Nesse caso podemos encontrar fantasmas, restos de outras utopias, que foram esquecidas pelo tempo e suplantadas por novas ideias e prédios, ruas, modismos e praças. A humanidade funciona um pouco desta forma: o que é importante hoje, talvez não tenha a menor importância daqui a cinco ou dez anos. Ou cem, ou mil anos.
A cidade serve então não somente para abrigar e ambientar os seus habitantes, mas funciona como um museu a céu aberto, mostrando tudo o que poderia ter sido e que não foi. Medianeras mostra os personagens como partes de uma Argentina e um mundo com poucas esperanças, um mundo onde a felicidade está ligada basicamente ao individual: uma felicidade de apartamento.
A escapatória parece ser o outro. Quando encontramos o outro, de verdade, algo de humano pode brotar em meio às convenções e toda a gama de informação que serve para nos distanciar de nossa essência.
Nota do colunista
É incrível a capacidade que temos de produzir feiura e miséria. Acredito que muito do que existe hoje se deve ao fato de que as pessoas que tomam decisões importantes de caráter público, que podem influenciar a vida dos outros, vivem em ambientes isolados e diferentes daqueles que vão sofrer com suas decisões. Vide Brasília, por exemplo. Quem faz uma viagem aos subúrbios de uma grande cidade no Brasil vai se deparar muito provavelmente com uma feiura impressionante. Mas o mais impressionante, é que pessoas vivem em meio a isso. Como é possível levar uma vida feliz em meio ao horror estético-sensorial que o homem produziu com sua ganância de crescimento econômico e poder?
A ênfase sobre a importância do PIB, um índice que mede a produção de cada país em termos econômicos é uma evidência disso. Não podemos medir simplesmente a evolução de uma sociedade pela acumulação de riqueza, mas devemos pensar na qualidade de vida. É por isso que existe o IDH (índice de desenvolvimento humano) e outros índices, criados por algumas pessoas que pensam sobre essa qualidade de vida no planeta.
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